Separando a produção de conteúdo da publicação

Estruture melhor seu pensamento e portanto seu planejamento

Por Virgílio V. Vilela

Aplicação do princípio de dividir para conquistar a produtos de informação: conteúdo é uma coisa, produto é outra coisa. Você pode trabalhar o conteúdo sem pensar em produtos e só pensar em produtos após ter conteúdo maduro e estável. Mais simplicidade e mais foco em cada etapa.

Dividir para conquistar é a chave

O que você entende por “produção de conteúdo?” Em outras palavras, o que lhe vem à mente como significado para esse termo/conceito? Se você logo pensa em ebook, artigo, vídeo, post em blog, curso, isca digital, vá lá, então você precisa conhecer o fluxo de trabalho que descrevemos aqui, e que é o que usamos intensivamente. É um dividir-para-conquistar do processo, com muitas vantagens, confira.

O excesso de informações, ideias, coisas para planejar, decidir, fazer, revisar...

Desenvolver um produto de informação como um livro ou artigo requer trabalho e pensamento de vários tipos diferentes:

Para obras menores, que serão publicadas em um só local, pode ser possível fazer tudo em um só documento. No caso de obras maiores, não será tão simples:

Além do aspecto trabalho e sua organização, há a questão da concentração. Pensar sobre o conteúdo e seu público é uma coisa, pensar sobre diagramar um documento é algo completamente diferente, e também é diferente pensar sobre a promoção do produto, ou seja:

Além disso, o ciclo de vida de um conteúdo é via de regra muito dinâmico: começa com uma ideia que vai sendo expandida, aprofundada, organizada, revista, amadurecida, reorganizada, cortada e integrada, ilustrada... Pelo menos a minha realidade tem sido essa até ter um conteúdo de qualidade, estável e minimamente viável.

Idealmente, nos dedicamos a uma parte de cada vez, o que facilita a concentração e o pensamento, sem interferência de outras partes. Mas isto pode não ser possível se não tivermos uma estruturação adequada para basear nossos pensamentos a respeito.

Sem uma divisão adequada do trabalho, podemos misturar coisas e o pensamento pode ficar disperso.

Aqui apresentamos um processo de trabalho estruturado de uma forma que permite a você fazer o dividir-para-conquistar do processo de produção de conteúdo ou, como também o chamamos, autoria. Em particular, esse processo é bastante adequado para suportar os casos em que mais de um produto será gerado a partir do mesmo conteúdo.

O processo é baseado na distinção conteúdo-produtos, que você vai verificar que divide o trabalho em segmentos muito mais manejáveis e com muito menos coisas para fazer de cada vez. Essa distinção conteúdo-produtos é relativamente simples, mas seu potencial de melhorar a nossa vida de autores é imenso.

E ainda melhor, esse processo é representado visualmente em um diagrama, que funciona assim como um “mapa” que facilita tratar múltiplos caminhos de publicação.

Conteúdo e produtos: uma coisa é uma coisa...

Considere o tema Como Fazer e Soltar Pipas. Alguém pode fazer um ebook sobre isso (já faz tempo, vi uma reportagem sobre um sujeito que, surpreendentemente para mim, vivia profissionalmente desse tema). Também podem ser feitos um site ou parte dele, um blog, uma apresentação de slides, quem sabe um webinário, entre outras possibilidades.

Note que o mesmo tema pode estar inserido em diferentes produtos. E o que esses produtos têm em comum? É o conteúdo. O conteúdo de todos esses produtos é o mesmo, embora sob diferentes formas, sejam redações, formatações e eventualmente diferentes estruturas, como no caso de apresentações de slides, que costumam ser estruturados – ou deveriam ser – em tópicos e subtópicos. Outra forma de dizer isso é que as ideias são as mesmas, em formas variadas.

Um mesmo conteúdo pode estar presente em vários produtos.

Desta forma, um mesmo conteúdo pode dar origem a produtos distintos e variados (figura).

A gama de produtos que pode ser gerada para um conteúdo é bem variada; por exemplo:

O próximo diagrama mostra algumas dessas possibilidades; as setas estão pontilhadas para representar que a conversão não é direta.

A distinção conteúdo-produto nos possibilita uma simplificação interessante no processo de trabalho: podemos trabalhar todo o conteúdo antes de sequer ter sequer uma pista sobre quais produtos e quais mídias o levarão ao público-alvo.

Trabalhe o conteúdo em separado dos produtos.

Devemos manter o foco, sim, mas agora, ao trabalhar o conteúdo ou os produtos, o escopo de cada etapa, isto é, a estrutura dos elementos com que temos que lidar, é menor. Podemos fazer coisas como:

A distinção conteúdo/produto é um caso particular da distinção essência/forma. Um outro caso comum dessa estrutura é informação/representação da informação. Por exemplo, um mesmo conjunto de informações pode estar em uma planilha, em um gráfico e em um infográfico estático ou interativo.

Essa estrutura conteúdo-produtos é conceitual; para usá-la, precisamos definir uma implementação. Isso é semelhante a um método, que define a essência das ações e nós temos que bolar como executar essas ações na prática.

E como seria uma boa e prática implementação dessa estrutura? A seguir descrevo a que uso cotidianamente e que usei também neste caso.

Implementação

Um fator central a ser considerado para o aproveitamento da distinção conteúdo-produtos na prática é como já mencionamos; para entregar múltiplos produtos de um mesmo conteúdo, podemos ter que atender requisitos diferentes.

Por exemplo, para publicar um livro na Amazon para o Kindle, podemos fornecer um arquivo EPUB ou um PDF, este para formatação fixa (o primeiro DOCX que experimentei perdeu formatação e não mais considero esse formato uma opção).

Na Amazon podemos também vender um impresso, e nesse caso fornecemos o arquivo em PDF (as outras opções, no meu processo, não agregam valor e podem dificultar: DOCX, HTML, RTF). A capa é uma imagem no primeiro caso e deve ser um PDF no segundo.

Assim, mesmo tendo um conteúdo estável em um DOCX, podemos ter que preparar documentos diferentes para entregar em locais diferentes ou em formatos diferentes de venda.

Para lidar com essas diferenças, meu processo de trabalho inclui, além dos produtos, um documento de rascunho, que chamo de draft, e geralmente um original (pode haver mais de um).

O draft é o documento de trabalho, com foco exclusivo no conteúdo. Quando estou trabalhando no conteúdo, não penso inicialmente em produtos a que ele dará origem. Quando o draft estabiliza total ou parcialmente, crio um original, movo o conteúdo e do original gero os produtos.

Geralmente defino o produto quando tenho conteúdo que considero maduro e já bem desenvolvido. Via de regra posso gerar qualquer produto a partir de um DOCX, então eu gero um original nesse formato a partir do draft. A migração do conteúdo do draft para o original ocorre tipicamente em várias etapas: quando algo estabiliza no draft, eu o migro para o original.

Tendo uma decisão de publicação, por exemplo Kindle em formato livre na Amazon, terei um requisito para o arquivo principal a ser entregue, por exemplo EPUB. Tenho então um fluxo completo:

DRAFT -> ORIGINAL -> EPUB -> Publicar

O diagrama a seguir mostra essa estrutura para um projeto real em que ajudei uma amiga a publicar um ebook: as entregas seriam no Clube de Autores, para venda como ebook e impresso, e na Amazon, como ebook do Kindle. Nesse caso o arquivo EPUB gerado serviu para duas publicações.

O processo completo envolve mais elementos. O próximo diagrama inclui a capa; ela foi feita no GIMP (arquivo XCF) e foi gerada uma imagem JPEG que serviu para todas as publicações.

Se tivesse sido escolhida a publicação na Amazon também como impresso, a capa deveria ter frente, lombada e contracapa e ser entregue como imagem em arquivo PDF. Assim um caminho adicional teria que ser inserido no processo, partindo de um original para essa capa.

Note que, à medida que o processo vai ficando mais complexo, mais e mais importante se torna ter uma estrutura de documentos de trabalho que previna retrabalho e facilite percorrer os vários caminhos. Também vai ficando mais difícil manter tudo de memória; um diagrama como esse é um “mapa” do processo e que também é muito útil quando temos que conversar sobre ele com outra pessoa. E olhe que no caso relatado só foi necessário um original.

Agora considere que você ficou um ano sem publicar e resolve atualizar algum ebook ou fazer um novo. Você pode ter se esquecido de muitos detalhes sobre o processo; com um diagrama como esse você relembra os caminhos em segundos. É como ter a planta de uma casa.

Vantagens

Trabalhar dessa forma tem uma série de vantagens e abre novas possibilidades para o processo:

Simplicidade de edição e concentração

Um documento entregável requer muito cuidado com a apresentação e detalhes. Já o draft não precisa de diagramação mais do que a conveniente para nosso uso, nem de formatação rigorosa nem de capa.

Outro fato que pode passar desapercebido é que trabalhar na redação e na preparação para entrega são coisas muito diferentes; enquanto a primeira requer foco em ideias e sua representação em linguagem e ilustrações, as outras requerem foco no documento, na paginação e inúmeros detalhes de apresentação. Ou seja, quando você está fazendo uma coisa, pensar e trabalhar na outra caracteriza desconcentração.

Trabalhando com a estrutura proposta, o autor pode se concentrar em uma coisa de cada vez, com menos informações a serem pensadas e de forma mais ágil e produtiva em cada uma delas.

Flexibilidade para geração dos produtos

A geração dos produtos, além de ser feita independentemente do conteúdo, pode ser terceirizada; o original é simplesmente entregue a um terceiro, com as especificações do serviço. Por exemplo, podemos gerar um original e entregá-lo a alguém para fazer a parte visual, a diagramação ou ambas.

Em alguns casos, a conversão de um original em produtos pode até ser automatizada por aplicativo próprio, como já fizemos. Este artigo mesmo foi editado no Word, em um original com dois artigos, e convertido automaticamente para o site (na verdade, toda a parte estática do site foi feita assim).

Ilustração definitiva postergada

Ilustrar conteúdo com ética pode não ser exatamente fácil ou imediato: às vezes as melhores imagens custam dinheiro, elaborá-las pode requerer tempo e curvas de aprendizagem e encomendá-las custa tanto tempo quando dinheiro e ainda podem não ser satisfatórias.

Sendo o draft não definitivo, novas possibilidades se abrem com relação à ilustração:

Diagrama DRAFT -> CONTEÚDO -> PRODUTOS

A ilustração definitiva pode ser então uma etapa a ser executada em tempo de geração do original, pode ser terceirizada e é menos uma coisa a fazermos com perfeição em tempo de desenvolvimento do conteúdo.

Pessoalmente, aprecio muito esta possibilidade; a parte da ilustração tem sido difícil em muitos casos. A parte dos diagramas já melhorou, porque desenvolvi um aplicativo para fazê-los como eu preciso.

Trabalho colaborativo

Se você está trabalhando em parceria, o draft serve de documento comum para ambos contribuírem, editando e comentando, mesmo à distância. Não sendo entregável, o documento pode ter partes salientadas, comentários e controle de alterações à vontade, sem as preocupações que adviriam de trabalhar com um documento “oficial”. Riscos não avisam quando vão ocorrer; no caso do livro da minha amiga, que mencionei antes, enviei um original para revisão e o arquivo que recebi de volta travava o Word.

Outros usos do draft

Pessoalmente faço outros usos do draft:

Originais ou fontes de ilustrações - Costumo usar muitas imagens feitas em outros aplicativos e obtidas na internet. Abaixo de cada imagem de aplicativo eu coloco o link para o respectivo arquivo; lembrar a origem de cada imagem é impraticável e me obriga a procurar quando preciso. No caso de imagens externas, coloco o link de origem, inclusive para dar o crédito quando for o caso. Por exemplo, para uma figura feita em um aplicativo:

(C:\ws_conteúdo\Produção de Conteúdo\Originais\puzzle cubos.sdr)

Procuro não menosprezar os riscos. Já faz tempo, abri um documento do Word em que usava muitas imagens vinculadas, e ele tinha perdido todos os vínculos; era “X” para todo lado. Não sei se isso pode ocorrer com as versões mais novas, mas eu não arrisco.

Conteúdos não usados – Às vezes decido não usar alguma parte mas não quero eliminá-las; coloco essas partes em uma seção no fim do draft, algo como “Não usados” ou “Rejeitados”, conforme o caso. Já aconteceu de rever essa seção e aproveitar alguma coisa.

Títulos e pré-textos – É parte do meu processo de trabalho gerar vários possíveis títulos para um mesmo conteúdo; o objetivo é encontrar um que chame a atenção do público. O mesmo para subtítulos. O título do documento do draft assim é para meu próprio uso; os títulos e subtítulos de produtos ficam em seção própria.

Também faço duas ou mais introduções, que escolho em tempo de geração do original. Introdução é um tipo de pré-texto (nomenclatura da ABNT), assim como prólogo, prefácio e apresentação.

Essa forma de trabalhar é confortável, porque minha inspiração pode ser perturbada por pressões, cobranças e expectativas perfeccionistas prematuras e em prazo não razoável.

Títulos e pré-textos ficam em uma seção própria do draft; um exemplo de sua estrutura seria assim:

TÍTULOS E PRÉ-TEXTOS

Títulos

Subtítulos

Prólogo

Apresentação 1

Apresentação 2

Introdução 1

Introdução curta

Esses elementos têm níveis de título (1 e 2) para aparecerem no índice e no painel de navegação do Word e assim facilitarem a visualização do que já foi feito.

A propósito, os subtítulos têm um valor adicional: eles podem ser usados como títulos de artigos de divulgação de ebooks, que, além de entregarem conteúdo de valor, remetem à página do produto para quem quiser saber mais.

Afazeres – A dedicação regular ao conteúdo vai gerando outros tipos de tarefas. Por exemplo, você encontra um bom link mas não pode cuidar dele no momento, então é criada uma tarefa para ser feita depois. Essas tarefas podem ficar no início do draft, em uma seção FAZER, por exemplo.

A propósito, faço algo semelhante em um original. Por mais que o conteúdo vindo do draft esteja maduro, também faço revisões no original, que acabam gerando edições. Mas no geral eu evito ao máximo mexer no original; ter que fazer mais uma revisão pode ser estressante.

Descrições – Ao cadastrar livros em lojas, tenho que informar uma descrição. Eventualmente faço mais de uma, e as mantenho no draft. Na hora de usar, copio e colo no formulário do cadastro do produto, que geralmente é texto simples.

Mas isso não é regra; às vezes faço a descrição em tempo de cadastro mesmo, improvisada e/ou baseada em trechos das apresentações. As primeiras versões de uma descrição não serão publicadas e acabo fazendo várias revisões.

Experiências

Como você deve ter notado, a separação conteúdo-produtos é parte do meu dia a dia, inclusive se tornou vital, porque trabalho com dezenas de assuntos diferentes, alguns com temas. Uma aplicação dessa distinção é no disco rígido: tenha pastas primárias para conteúdo, que chamo de “autoria”, e para publicação. Embora ainda tenha momentos difíceis, ficou bem mais fácil localizar as coisas.

Recentemente, essa separação foi muito útil na geração deste site. Já há algum tempo não fazia sites em HTML, e meu editor é antigo. Tentei usá-lo e foi terrível para um site responsivo. Alternativas como eu queria são pagas e requerem assinatura mensal, o que não me convinha. Como tenho infraestrutura para conversão de documentos, resolvi gerar o site a partir de documentos do Word. Até agora, 100% de automatização, exceto o upload, que é possível, apenas não priorizei.

E o que possibilitou esse processo foi ter os conteúdos separados do produto, o site. Tenho um documento para os assuntos, que viram seções no site. Tenho também documentos com os originais das matérias para cada tema, que são convertidos em páginas. As páginas de sumário de seções são geradas automaticamente.

O resultado é que hoje escrevo uma nova matéria no Word, executo um comando e o site é gerado automaticamente. É um prazer especial!


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