Como lidar com a “didática” de cobranças – do instrutor e sua

Faça algo que ajude e não que atrapalhe

Por Virgílio V. Vilela

Faz sentido alguém cobrar o outro para não errar? Mesmo que a cobrança seja para acertar, será que o outro sabe como? Neste artigo mostramos que a cobrança não só pode não ter os resultados pretendidos como ainda pode ser contraproducente.

Didática de cobranças??

Há muitos anos, decidi fazer aulas de moto. Em uma das aulas, no trânsito cheio de uma rua central de capital, o instrutor na garupa, fui passar entre dois carros pela primeira vez e... tremi; o guidom balançou rapidamente para um lado e para o outro. O instrutor virou-se para mim estranhando aquele comportamento, dizendo algo tipo “Ué, Virgílio, tremendo?”.

Tempos depois é que tive discernimento para fazer uma leitura mais apropriada da situação: ele estava me cobrando passar direito entre dois carros, quando devia era me preparar, me treinar nisso. E deveria ter feito isso antes de qualquer tentativa, inclusive devido ao risco de um acidente grave e com possíveis consequências para ele próprio.

Mais recentemente, escutei várias e várias vezes um bem-intencionado treinador de esporte coletivo, turma avançada, bradar coisas parecidas:

Pode ser que esse tipo de cobrança funcione para alguns, por exemplo para quem erra por falta de concentração ou recebe essas falas como incentivo. Mas, tecnicamente, tentar não errar não contém nenhuma informação sobre como fazer certo e portanto não me parece fazer nenhum sentido.

E o que dizemos ou pensamos verbalmente influencia nosso pensamento porque temos que descobrir o significado, e o significado, em última análise, é composto por imagens, sons e sensações associadas, vulgarmente conhecidas como experiências. Se dizemos ou pensamos algo como “Não errar”, ao interpretarmos isso estamos de fato induzindo pensamentos que representam nosso significado para “errar”. Você deve concordar que, se isso não nos influencia a errarmos, no mínimo não nos informa nada na direção de acertar.

O entendimento de ‘errar’ direciona o pensamento para experiências de erro.

Certa vez li uma reportagem sobre uma competição de equipes daquelas longas e árduas, creio que na Antártica, e uma mulher foi entrevistada, chorosa e chateada por ter prejudicado a equipe devido a um erro. Ela disse não entender o que houve, porque “tinha rezado tanto para não cometer erros tolos...” (não tenho certeza se ela usou a palavra “rezado”, mas o sentido é semelhante).

O fato cabal e inquestionável é que erros contêm informações valiosas para guiar o planejamento dos próximos treinos (mais sobre isso a seguir).

E, quando há um instrutor, ele é o responsável natural e direto por observar erros e transformá-los em oportunidades de melhoria

Erros são responsabilidade do instrutor.

E se você está sendo autodidata, isto é, atuando em dois papéis, aprendiz e instrutor, quando você está atuando como instrutor isso se aplica também a você.

“Errei, caramba!”

O diretório acadêmico nos meus tempos de graduação tinha mesas de pingue pongue. Certo dia, fiquei observando um jovem atleta que costumava treinar ali, com seu treinador. De vez em quando ele errava, e então tinha uma reação de desagrado que incluía um som com a língua entre os dentes que eu não sei reproduzir em palavras.

(www.freepik.com)

Não entendendo a reação, perguntei ao treinador por que ele fazia aquilo. Resposta: “Não, é porque ele sabe”.

Aos olhos de hoje, acho essa resposta estranha. Se o jovem sabia jogar, por que estava treinando? O que devia estar acontecendo é que ele tinha uma expectativa sobre seu desempenho e estava se cobrando resultados compatíveis, e reagindo emocionalmente quando não os conseguia. Dessa forma, boa parte daquele treino me parece que era inútil.

Já observei várias vezes isso: o jogador treinando erra e solta um palavrão. Claro, também já fiz isso. Mas a resposta mais objetiva é buscar informações sobre o erro para servirem de insumo para os próximos planos.

Erros contêm informações para aprimorar os treinos.

Em outras palavras, se temos uma expectativa de desempenho que não conseguimos alcançar, o mais adequado é aproveitar o erro para fazer duas coisas:

Outras possibilidades são desperdício de tempo e energia. E, convenhamos, manter expectativas de que tenhamos regularmente ou em todas as ocasiões o melhor desempenho que tivemos no passado é mais que irreal, é surreal.

Um caso ilustrativo

Acho que vale a pena contar um caso pessoal em que uma situação de cobrança foi ajustada para melhor. Eu costumava ter rejeição a cobranças, tipo, assim que detectava um comportamento compatível com meu significado de “cobrança”, já começava a ficar irritado. Já melhorei bastante, muito em função do entendimento e das reflexões com que você está tendo contato aqui. Mais consciência, mais opções.

Na pelada de vôlei de praia, tinha um colega que me dizia coisas que para mim eram cobranças e que depois descobri que tinham intenção de incentivo. Fui honesto e disse que aquilo não funcionava comigo, que ajudaria mais dizer algo como “Concentra!”. Ele por sua vez foi receptivo e mudou, e aí realmente o que ele dizia passou a contribuir.

Note que isso é muito subjetivo: o efeito do que dizemos depende de como a pessoa entende e, principalmente, como ela reage ou, mais objetivamente, responde. Assim, não há fórmulas ou respostas prontas, há ação, reação ou resposta, feedback e mais resposta. Quando há diálogo, claro.

https://www.turnitin.com/static/feedback-quiz/

Resumo prático

De toda essa conversa, eis as possibilidades que consideramos diretamente aplicáveis em seus treinamentos.

  1. Quando errar, busque entender o erro.
    • Se não possível no momento, quando possível.
  2. Busque usar as informações obtidas com os erros para melhorar seus treinos.
  3. Se você se observar reagindo emocionalmente a um erro, quanto mais rápido você aplicar as possibilidades 1 e 2, mais efetivos serão seus treinos.
  4. Se você tiver um instrutor que não trabalha bem os erros, direcione-o para o ajudar nas possibilidades 1 e 2.